Sem encontrar abertura no governo de Donald Trump para negociar, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva anunciou na quarta-feira (13/08) um pacote de medidas para mitigar o impacto econômico do tarifaço de 50% que atinge boa parte das exportações brasileiras aos Estados Unidos.
As ações incluem linhas de crédito subsidiadas, adiamento da cobrança de impostos e compras governamentais de alimentos dos setores impactados.
Além disso, o pacote prevê que as empresas beneficiadas sejam obrigadas a manter empregos.
A sobretaxação dos produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos foi anunciada em julho e entrou em vigor em 6 de agosto.
O governo Lula tem estudado medidas de retaliação contra produtos americanos, mas evitou o caminho até o momento, temendo mais impactos negativos na economia brasileira e o estremecimento ainda maior nos canais de negociação.
“Nós não estamos anunciando reciprocidade, veja como nós somos negociadores. Nós não queremos, em um primeiro momento, fazer nada que justifique piorar nossa relação”, disse Lula, ao destacar a ausência de retaliações durante o anúncio das medidas de apoio aos setores afetados.
Uma das justificativas apresentadas por Trump para o tarifaço foi uma suposta perseguição que seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, estaria sofrendo na Justiça brasileira, onde enfrenta um processo criminal sob acusação de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado.
Depois disso, Bolsonaro foi colocado em prisão domiciliar pelo Supremo Tribunal Federal.
A Corte entendeu que o ex-presidente estava usando um governo estrangeiro para tentar interferir no seu processo, incorrendo em crime de obstrução de Justiça.
Ao anunciar o pacote, batizado de Brasil Soberano, Lula repudiou as acusações da Casa Branca de que a atuação do STF estaria desrespeitando os direitos humanos e a liberdade de expressão.
Um relatório da gestão Trump citou diretamente o ministro Alexandre de Morais, criticando suas decisões que derrubaram contas de aliados de Bolsonaro em redes sociais.
“Aqui no Brasil temos um Poder Judiciário autônomo, garantido na Constituição de 1988, em que o Poder Executivo e o Congresso não têm nenhuma incidência a julgamento”, disse.
“Ninguém está desrespeitando regras dos direitos humanos, como estão tentando apresentar ao mundo. Nossos amigos americanos, toda vez que tentam brigar com alguém, eles criam a imagem de demônio”, continuou.
As medidas entram em vigor com a edição de uma Medida Provisória, que ainda terá que ser aprovada pelo Congresso.
Segundo o Ministério da Fazenda, o impacto fiscal das medidas será de R$ 9,5 bilhões, mas a intenção do governo é que seja aprovada também uma lei complementar permitindo que esses gastos fiquem de fora da meta fiscal desse ano.
Entenda melhor a seguir o pacote anunciado.
R$ 30 bi em linha de crédito e medidas tributárias
O governo anunciou uma mudança no Fundo de Garantia à Exportação (FGE) para que seus recursos possam ser usados em empréstimos subsidiados para empresas afetadas pelo tarifaço.
Segundo o Ministério da Fazenda, isso vai liberar R$ 30 bilhões para empréstimos.
Antes dessa mudança, o FGE era usado como garantia para operações de crédito para exportações, mas não para empréstimos diretamente. Além disso, também garantia o pagamento de dívidas de importadores estrangeiros com exportadores brasileiros.
O pacote anunciado prevê que a liberação dos empréstimos priorizará as empresas mais afetadas pelo tarifaço, levando em conta, por exemplo, “a dependência do faturamento em relação às exportações para os EUA”.
O governo também anunciou que pequenas e médias empresas poderão recorrer a fundos garantidores para acessar o crédito. Para isso, a União vai depositar R$ 4,5 bilhões em fundos administrados por Banco do Brasil e BNDES.
Esse aporta é representa parte do curto de R$ 9,5 bilhões do pacote.
O outros R$ 5 bilhões virão da ampliação do Reintegra, programa que permite que exportadores recebam a devolução de parte dos impostos pagos ao longo da cadeia produtiva por meio de créditos tributários.
“A medida aumenta em até 3 pontos percentuais o benefício para empresas cujas exportações de produtos industrializados foram prejudicadas por medidas tarifárias unilaterais”, anunciou o governo.
Com isso, micro e pequenas empresas passarão a receber até 6% de volta, em vez dos 3% atuais. Já as médias e grandes empresas receberão 3,1% dos tributos de volta, contra os 0,1% a que têm direito hoje.
A medida valerá até 2026, já que em 2027 todas as exportações deixarão de ser tributadas no país, com a entrada em vigor da reforma tributária já aprovada no Congresso.
Compras governamentais
O pacote inclui uma proposta de alteração da lei que regula as compras públicas de alimentos para facilitar que União, Estados e municípios possam adquirir produtos perecíveis que seriam vendidos aos EUA e ficaram encalhados após o tarifaço.
Os alimentos poderão ser usados na merenda escolar, por exemplo. Não há, porém, uma meta de quanto será comprado, explicou o governo federal.
A medida atendeu, em especial, à demanda de Estados mais atingidos, como Ceará e Pernambuco.
No caso do Ceará, governado por Elmano de Freitas (PT), os setores de pescados e frutas são grandes exportadores para os Estados Unidos.
Manutenção de empregos
A paralisação das exportações em alguns setores afetados pelas tarifas já tem levado empresas a conceder férias coletivas.
O governo tenta evitar demissões, condicionando o acesso ao pacote emergencial à manutenção dos postos de trabalho.
Será criada a Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego para monitorar as empresas atingidas e fiscalizar obrigações e acordos trabalhistas.
Também fará parte de suas atribuições “engajar trabalhadores e empregadores em negociações para atender às necessidades das empresas afetadas”, assim como “aplicar mecanismos relacionados a situações emergenciais, como suspensão temporária de contratos, dentro da lei”.
A atuação do novo órgão será coordenada via Câmaras Regionais nas Superintendências Regionais do Trabalho.
Um estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) encomendado pelas centrais sindicais estima que o tarifaço pode fechar 726,7 mil postos de trabalho.
Já a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estimou um impacto menor. Segundo o Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea), o tarifaço de Trump pode eliminar 188 mil empregos.
No entanto, a esperada diversificação do comércio brasileiro como reação às tarifas reduziria essas perdas para 57 mil, estimou a universidade.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Reuters