Depois de duas semanas de recesso, o Congresso retorna aos trabalhos hoje diante de um cenário geopolítico ainda mais complexo que o de julho. Com o tarifaço imposto pelo governo do presidente Donald Trump (Republicanos) aos produtos brasileiros prestes a ser implementados, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva espera que o Legislativo se junte aos esforços do Executivo para diminuir os impactos econômicos a diversos setores e também para responder firmemente aos Estados Unidos, se necessário.
O primeiro passo para isso já foi dado em abril, quando o Congresso aprovou a Lei de Reciprocidade Econômica depois de Trump taxar o aço importado — incluindo o do Brasil — e dar sinais de que ampliaria as tarifas para outros produtos brasileiros. A nova legislação, que teve amplo apoio em ambas as Casas, permite que o país revide eventuais retaliações comerciais externas. Na prática, deu à gestão Lula meios legais para responder aos EUA.
Depois que as tentativas de negociações para evitar o tarifaço se mostraram ineficientes, o Executivo tem dito publicamente que espera o apoio do Legislativo para proteger os interesses brasileiros. “Muitas das medidas previstas (contra a medida dos EUA) dependem de aprovação pelo Congresso Nacional, mas eu entendo que o Congresso não vai se furtar a atender esses setores que estão sendo afligidos por essas medidas”, disse o ministro Fernando Haddad em entrevista à CNN na semana passada. “Na minha opinião, não vai faltar apoio do Congresso Nacional, que, inclusive, aprovou a Lei de Reciprocidade”, lembrou.
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), têm feito declarações muito tímidas sobre o assunto. Antes do recesso, disseram estar à disposição do governo para diminuir os impactos aos setores afetados e buscar uma solução diplomática. Durante o recesso, o clima com Estados Unidos piorou. Trump passou a fazer mais declarações direcionadas às autoridades brasileiras em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e chegou a sancionar o ministro Alexandre de Moraes, do STF, com base na Lei Magnitsky, aplicada a pessoas que os EUA consideram violadores de direitos humanos.
Na semana passada, Motta condenou a sanção imposta a Moraes em uma declaração em suas redes sociais. Sobre a possibilidade de uma resposta do Congresso ao tarifaço, o deputado disse, na terça-feira passada, que a Lei de Reciprocidade é uma ferramenta do Brasil para responder ao que chamou de “práticas discriminatórias”.
“É uma resposta serena, mas firme, em linha com a nossa profunda preocupação com o uso de medidas comerciais unilaterais para fins protecionistas e para ingerência em assuntos internos de outros países. (…) Com ela, o Brasil tem ferramentas adequadas para responder a práticas discriminatórias em relação aos produtos brasileiros”, pontuou o presidente durante um evento da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça.
Missão frustrada
Alcolumbre, por sua vez, disse em nota na última quinta que o Senado tem atuado por meio de uma comissão de senadores que foi aos EUA na semana passada tentar negociar para “reforçar o diálogo e buscar soluções equilibradas que preservem os interesses do Brasil”. Disse também que reafirmava a confiança no fortalecimento das instituições brasileiras e destacou o Poder Judiciário, “elemento essencial para a preservação da soberania nacional, que é inegociável”.
“O parlamento acompanha de perto cada desdobramento dessa questão, em conjunto com o Executivo e o Judiciário, para assegurar a proteção da nossa economia e a defesa intransigente das instituições democráticas”, apontou. O grupo de senadores enviado aos EUA, no entanto, não conseguiu sequer uma audiência com um representante da gestão Trump nos três dias que trabalhou em Washington.
Com as portas da Casa Branca fechadas à diplomacia brasileira, tudo o que os congressistas conseguiram foram informações de empresários com contatos no governo e de senadores democratas e um republicano sobre as verdadeiras preocupações de Trump. Os parlamentares ouviram que os EUA têm preocupações sérias com o avanço da influência chinesa e russa sobre os países do Brics (grupo do qual os dois países são integrantes).
Segundo os congressistas norte-americanos, há conversas para aprovar novas sanções aos países que negociam com a Rússia, o que afetaria novamente o Brasil, que tem relação histórica com o país. Ambos os partidos, Democratas e Republicanos, apoiam o projeto, que deve ser discutido em setembro, depois do recesso parlamentar nos EUA. Isso significa que, além de tentar reverter o tarifaço, o governo Lula precisará encontrar formas de negociar possíveis sanções, já a Rússia é uma fonte importante de fertilizante para o país.
Agenda econômica
Além de contornar a crise, o governo precisa também aprovar textos que vão garantir a sustentabilidade das contas públicas a partir de 2026. A decisão do Supremo Tribunal Federal em julho que manteve parte do decreto que majorou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) deu um respiro ao Executivo neste ano e permitiu até um descontingenciamento de R$ 20,7 bilhões dos R$ 31,3 bilhões em despesas discricionárias — aquelas que o governo não é obrigado, por lei, a executar.
A meta fiscal para 2026, no entanto, é mais ambiciosa que a de 2025 e será preciso garantir mais dinheiro nos cofres. Parte desse esforço envolve a Medida Provisória 1.303 de 2025, que foi apelidada por alguns setores de “MP Taxa-Tudo”, que aumenta taxas para bancos digitais, casas de apostas, e passa a taxar alguns investimentos hoje isentos. O texto é impopular, mas a MP é relatada por um petista, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). A comissão mista, por sua vez, é presidida por um aliado do governo Lula: o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
A comissão especial mista que vai discutir o tema foi instalada e convidou o ministro Haddad para uma audiência na próxima quarta-feira. O plano da comissão é fazer audiências até o fim de agosto e votar a medida provisória no início de setembro, para que ela seja aprovada a tempo de valer em 2026.
Outro desafio do segundo semestre é a aprovação do projeto de lei que isenta de pagamento de Imposto de Renda quem recebe até R$ 5 mil. O texto, que é uma das prioridades do governo Lula para este ano, foi aprovado na comissão especial que trata do tema e precisa passar pelo plenário da Câmara antes de ir ao Senado. Assim como a MP arrecadatória, precisa ser aprovada com antecedência para valer no início do próximo ano, quando cada uma dessas medidas fará a diferença para a popularidade de Lula, que é pré-candidato à reeleição, especialmente em um cenário de rápida mudança no cenário econômico externo.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado