Apesar do silêncio de sua figura central, o bolsonarismo segue articulado em várias frentes: nas ruas, nas redes sociais e nos bastidores da geopolítica internacional. A ofensiva tem sido liderada por rostos conhecidos, como Michelle, Flávio e Eduardo Bolsonaro, cada um operando em uma frente específica — eleitoral, digital e diplomática — enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, silencia.
Na última semana, a movimentação foi intensa. Houve motociata em Brasília sem o habitual discurso do ex-presidente; transferência do título de eleitor de Michelle; intensificação da presença nas redes do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ); e a polêmica atuação do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos. Tudo isso com um objetivo claro: garantir anistia para os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 — principamente a Bolsonaro, recentemente submetido a toque de recolher e tornozeleira, e preparar o caminho para 2026.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) confirmou sua volta ao Distrito Federal, mudando novamente o domicílio eleitoral. A postagem nas redes sociais foi direta: “A boa filha retorna à sua casa”. O gesto precede sua candidatura ao Senado Federal, já anunciada por Jair Bolsonaro em entrevista coletiva recente. Pesquisas a colocam na liderança da corrida eleitoral no DF, com 42,9% das intenções de voto, segundo o Instituto Paraná.
Para especialistas, Michelle é hoje a figura mais viável eleitoralmente. “Ela lidera uma faixa importante do bolsonarismo e procurará extrair força e prestígio para seu próprio projeto político, seja ele qual for”, analisou Paulo Kramer, mestre e doutor em ciência política. “A iminente condenação de Jair Bolsonaro, longe de desvalorizar seu cacife, estimula as novas lideranças surgidas no seu entorno a buscar sua ‘bênção’ nos próximos pleitos”, completou o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB).
Outro especialista ouvido pelo Correio, doutor em ciências sociais e mestre em ciência política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rudá Ricci, destaca que Michelle e Flávio “são das poucas possibilidades de a família se manter com visibilidade”. Para ele, a aposta da mulher de Bolsonaro “faz sentido”, pois “o eleitorado de Brasília parece ser muito conservador”.
Ofensiva internacional
Direto dos EUA, Eduardo Bolsonaro tem protagonizado a frente mais controversa. Licenciado do mandato na Câmara dos Deputados, ele se apresenta como articulador junto a autoridades republicanas e, segundo ele próprio, tentou impedir que senadores brasileiros negociassem com o governo norte-americano o tarifaço de 50% imposto pelo presidente Donald Trump a produtos brasileiros.
Mas é o envolvimento de Eduardo com a sanção individual aplicada ao ministro Alexandre de Moraes, com base na chamada Lei Magnitsky, que acendeu o alerta. O deputado é acusado por parlamentares da base governista de alimentar autoridades norte-americanas com informações distorcidas sobre o Judiciário brasileiro. Na opinião do deputado federal Reginaldo Veras (PV-DF) ao Correio, a atuação do filho de Bolsonaro configura um “crime de lesa-pátria”. Segundo ele, existe uma “ação coordenada, irresponsável e de formação de quadrilha” da família Bolsonaro.
Ricci reforça a crítica: “Eduardo prejudica a imagem de quem quer atrair o eleitor de centro porque radicaliza de maneira absolutamente irresponsável, obrigando muitas lideranças de direita a rejeitá-lo”, observou o especialista.
Já Kramer vê o cenário com outros olhos: “Eduardo Bolsonaro sai engrandecido desse episódio. Conseguiu mostrar aos EUA e ao mundo que o lulopetismo empurra o Brasil para fora da esfera democrática ocidental e rumo à sinosfera. As sanções Magnitsky refletem um esforço bem-sucedido do bolsonarismo”.
Cautela
Flávio Bolsonaro também se envolveu na polêmica das tarifas, mas com um movimento diferente. Após publicar apoio à medida, apagou a postagem e afirmou ter se arrependido. “Quando apertei o ‘send’, me arrependi na hora. Não quero parecer que estou analisando se o Trump está certo ou errado”, declarou à CNN. A cautela reflete o momento: manter-se politicamente relevante sem ultrapassar os limites que poderiam prejudicá-lo judicialmente.
Mesmo assim, o filho mais velho de Bolsonaro segue como uma das figuras mais ativas nas redes sociais, onde continua dialogando com a base bolsonarista, mantendo o clima de campanha constante que caracteriza o grupo.
Para o deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), o silêncio de Jair Bolsonaro não se trata de uma estratégia, mas algo inevitável. “Se não tivesse nada disso acontecendo (medidas cautelares), e estivéssemos em uma situação mais normalizada, ele estaria falando tudo, se expressando”, disse ao Correio, apostando na reversão da inelegibilidade do ex-presidente.
A parlamentar governistas Maria do Rosário (PT-RS) enxerga de forma oposta e vê a movimentação dos Bolsonaro como desesperada: “Eles agem como máfia. A candidatura de Michelle não vem de uma construção política, mas da tentativa de manter o clã no poder. A família se isola. Eduardo não pode ser deputado e, ao mesmo tempo, traidor da pátria”.
Ela afirma que “a direita quer se livrar da família Bolsonaro”, mas reconhece que o Congresso ainda é “espaço de atuação bolsonarista” e que há uma “ofensiva permanente contra as instituições”. “A direita ainda depende deles para ter apelo eleitoral”, lamentou.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Dilvulgação Instagram