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Portugal endurece lei de imigração e pode afetar brasileiros

“Quem avisou que, quando eles entrassem (em Portugal), nós teríamos problemas? Que teríamos...

“Quem avisou que, quando eles entrassem (em Portugal), nós teríamos problemas? Que teríamos problemas na saúde, na habitação e nas creches? Quem foi? Fomos nós. Portanto, agora, não nos venham dizer assim: ‘Bom então, o que é que se faz?’. Durante anos, avisei. Agora, eles (imigrantes) já entraram. A única solução que temos é (…) garantir que os portugueses estejam em primeiro lugar.” O discurso do deputado André Ventura, presidente do Chega!, ocorreu no dia em que parlamentares do partido de extrema-direita obtiveram apoio da coalizão do governo minoritário do premiê Luís Montenegro e aprovaram o endurecimento da política de imigração.

A nova Lei de Estrangeiros deverá afetar diretamente os imigrantes brasileiros, com a revogação de uma norma que lhes permitia regularizar a própria situação depois de sua chegada a Portugal. Com as mudanças, os imigrantes somente entrarão no país mediante a apresentação de um visto. Além disso, os vistos para a busca de emprego serão concedidos apenas a imigrantes altamente qualificados. O texto também torna mais difícil o reagrupamento de famílias de imigrantes não documentados, com a exigência de comprovação de que o casal tinha vivido junto em outro país e depois de dois anos de residência legal. Outra medida polêmica envolve a criação de uma unidade policial para supervisionar os estrangeiros e realizar deportações. 

Advogada especializada em imigração, a brasileira Erica Acosta, 44, esteve na Assembleia da República para acompanhar a votação. Em entrevista ao Correio, ela afirmou que a aprovação da nova Lei de Estrangeiros representa um “retrocesso gravíssimo no compromisso de Portugal com os direitos humanos e com o Estado Democrático de Direito”. “Trata-se de uma norma que ignora a realidade das migrações e impõe obstáculos cada vez mais intransponíveis à regularização”, explicou. 

Mobilidad

Acosta considera particularmente grave o impacto da medida sobre o Acordo de Mobilidade da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), criado para facilitar o trânsito de pessoas entre os Estados-membros. “Ao voltar a exigir o visto como condição para o início do processo de regularização — até então bastava a entrada regular —, a nova legislação esvazia os objetivos do acordo e reinstaura uma barreira que tinha sido superada. Ou seja: cria-se um novo entrave à mobilidade, contrariando frontalmente o espírito de cooperação e de solidariedade da CPLP.”

Ainda segundo a advogada brasileira, a norma passa a utilizar a remuneração financeira como um vetor de desigualdade. “Ela punirá quem ganha menos, com o risco de perder o direito ao reagrupamento familiar. A igualdade, a proteção familiar e o acesso à justiça ficarão comprometidos. Embora ainda exista a possibilidade de recorrer ao tribunal para proteger direitos fundamentais, o novo regime exige um conjunto probatório desproporcional, fazendo com que o acesso à Justiça se torne o último recurso de quem está sufocado por um sistema opressor”, explicou Erica Acosta. 

Mineira criada em Goiânia, Sônia Gomes hoje dirige a Associação de Apoio a Emigrantes, Imigrantes e Famílias (AAEIF), em Lisboa, onde vive desde 2017. Pouco depois de deixar o parlamento, ela falou à reportagem e denunciou um “projeto de exclusão bem nítido”. “O impacto não será fácil, inclusive para Portugal. Qual é o estudante qualificado que escolheria Portugal?”, questionou. “Temos grande esperança de que o senhor presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, repense e ordene uma revisão constitucional, principalmente na área do reagrupamento familiar. Essa é uma exigência dos brasileiros. Nós concordamos em seguir regras, mas desde que elas sejam justas. Isso é um projeto para excluir, um texto marcado pela falta de dignidade”, acrescentou a ativista, que também atua como representante independente de imigrantes desde 2021.

Erica Acosta afirma que “a nova legislação institucionaliza a exclusão, desrespeita compromissos internacionais e agride a dignidade humana”. “Por isso, ela precisa ser combatida por todos os meios democráticos e jurídicos disponíveis”, disse a advogada. Ela denunciou que a intensificação da repressão começou antes mesmo da criação de uma polícia de imigração. “Vemos o crescimento das fiscalizações em bairros periféricos e ocupações habitacionais, como recentemente alertado em ofício da Promotoria de Justiça que aponta falhas graves nas operações policiais, com impactos diretos sobre a população imigrante.”

O QUE MUDA?

Confira as principais alterações na política imigratória de Portugal 

Entrada sem visto

Os brasileiros não mais poderão entrar em Portugal sem apresentarem um visto. Imigrantes ingressavam no país, sem documentação, para depois pedirem residência. 

Visto de trabalho

O visto de procura de trabalho passará a ser chamado de “visto para procura de trabalho qualificado”. A medida afetará, especialmente, os brasileiros, o maior grupo responsável pela solicitação desse documento. 

Recusa aos ilegais

Aqueles imigrantes, incluindo brasileiros, que “tiverem entrado ou permanecido ilegalmente” em Portugal terão o visto automaticamente recusado. A medida vale também para a solicitação de “visto para a procura de trabalho qualificado”. 

Polícia de imigração

Será criada a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras — um órgão com poder de polícia que terá, entre outras, as missões de fiscalizar os imigrantes e executar deportações. 

Reagrupamento familiar

A reunião familiar de imigrantes somente será possível depois que ficar comprovado que o casal tenha vivido junto em outro país e após dois anos de residência legal. Filhos menores de idade poderão ser reagrupados em Portugal, com a condição de que tenham entrado legalmente, estejam no país, coabitem com o requerente e dele dependam.  

EU ACHO…

“O que mais choca é o vazio ético e o desprezo pelas garantias mínimas de um Estado de Direito. Aprovar um projeto com impacto direto sobre centenas de milhares de pessoas sem ouvir o Conselho para as Migrações, sem diálogo com a sociedade civil, e com uma tramitação relâmpago é, em si, um sintoma grave de autoritarismo institucional. Mais grave ainda é ver um discurso pretensamente ‘humanista’ ser instrumentalizado para justificar retrocessos.”

Erica Acosta, advogada brasileira especializada em imigração, moradora de Lisboa

“A medida que mais preocupa é um pai de família ter que esperar dois anos para poder ver o filho e a esposa. Não entra na cabeça um partido desejar separar famílias. Desde que cheguei aqui, não vejo o imigrante ter um caminho fácil. O imigrante não tem paz. Os governantes não conseguem chegar a um denominador comum para darem dignidade ao imigrante.”

Sônia Gomes, diretora da Associação de Apoio a Emigrantes, Imigrantes e Famílias

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense       

Foto: André Dias Nobre/AFP

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