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Pesquisas reforçam que controlar o pré-diabetes é possível com exercício e dieta

A  medição da glicose risca o limite. Se a glicemia em jejum for...

A  medição da glicose risca o limite. Se a glicemia em jejum for igual ou superior a 126 mg/dL ou se a hemoglobina glicada (HbA1c) for igual ou superior a 6,5%, diagnostica-se o diabetes tipo 2. Perto disso, o chamado pré-diabetes, com níveis entre 100 e 125 mg/dL em jejum, por exemplo, há chances de reverter o quadro e não cair no adoecimento crônico. Mas elas nem sempre mobilizam os brasileiros. Estima-se que, em cinco anos, de cada quatro pessoas com pré-diabetes, uma ultrapassa o ponto do não retorno, duas permanecem na condição de risco e uma consegue voltar para os níveis normais de glicose. Em um país com estimados 15 milhões de diabéticos tipo 2, sendo que metade deles não sabe, e 16 milhões de pré-diabéticos, não é exagero afirmar que está instalada uma crise de saúde pública. 

A boa notícia é que não falta conhecimento científico para melhorar esse cenário. Pesquisadores têm se dedicado a investigar as melhores alternativas para preservar ou resgatar a saúde metabólica e, no caso do pré-diabetes, a mudança de hábitos é receita unânime. Estudo publicado neste mês na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology mostra que a adoção de um estilo de vida saudável supera a ingestão de medicamentos na prevenção do diabetes tipo 2. E a proteção é a longo prazo: por mais de 22 anos.

Para chegar à conclusão, a equipe do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, avaliou os dados do Programa de Prevenção de Diabetes dos EUA (DPP), um grande ensaio clínico lançado em 1996 com 3.234 pré-diabéticos que avaliou os benefícios da  metformina — à época, recém-aprovada no país para o tratamento do diabetes — e de um regime de modificação do estilo de vida que incluía prática de exercícios e dieta saudável, na cura da condição clínica. Três anos depois, a redução no aparecimento de diabetes foi, respectivamente, de 31% e 58%. A nova análise indica taxas de 17% e 24%. “Em três anos, eles tiveram que interromper o estudo porque o estilo de vida era melhor do que a metformina. Isso significa que o estilo de vida, no qual todos apostam, é mais eficaz”, ressalta Vallabh “Raj” Shah, um dos autores do estudo.

Diretor da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Fernando Valente afirma que o DPP é considerado um “divisor de águas” no manejo do pré-diabetes. “Frente aos benefícios, chegou um momento da pesquisa em que todos os participantes passaram a  receber esse tratamento, mostrando justamente que, quanto antes se seguir a orientação de mudança de estilo de vida, melhor. Se mudar na fase de pré-diabetes, mais ainda. Depois, não se pode falar mais em cura. Só em remissão”, explica.

Aproveitar o momento estratégico foi um dos temas em destaque no congresso científico deste ano da Associação Americana de Diabetes (ADA, sigla em inglês), realizado no mês passado em Chicago. Fernando Valente esteve no evento e destaca um estudo que relacionou a prática regular de exercícios físicos e a mortalidade por doenças como o diabetes. “Se a pessoa com obesidade e sedentária passar para o estágio de sobrepeso, tratando a obesidade, mas seguindo sedentária (com medicamento, por exemplo), ela tem uma redução de 25% na mortalidade. Agora, se ela perder esse mesmo peso e passar a fazer exercícios físicos, atendendo àquela recomendação da OMS de 150 minutos de exercício de intensidade ao menos moderada por semana, essa redução é dobrada.” 

Gordura visceral

Bruno Geloneze, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e pesquisador principal do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) da instituição paulista, pondera que, ao se entender que, no pré-diabetes, há um discreto aumento da glicemia, qualquer tratamento do diabetes é eficaz na abordagem dessa condição inicial. “Mas o foco principal deve ser a redução da resistência à insulina, com medicamentos e  revertendo principalmente os mecanismos que levaram à ela, que, em geral, é o aumento da gordura, em especial a visceral. Para isso, existem diversas formas de emagrecimento e o exercício físico prevalece.”

O médico ressalta que, como o diabetes estabelecido costuma não ser bem tratado no Brasil, é natural que a situação seja ainda pior com o pré-diabetes, que deve ser entendido como um momento de intervenção. “Prefiro dizer que sempre há um ponto de retorno quando se leva a sério e se instituem as medidas de tratamento”, diz.

Aos sedentários, uma estimativa da associação americana também pode servir de estímulo para se distanciar do ponto de inflexão do diabetes tipo 2. Segundo a ADA, dedicar de cinco a seis minutos do dia a caminhadas com passos rápidos aumenta em quatro anos a expectativa de vida. Só no ano passado, a doença matou 3,4 milhões de pessoas no mundo, segundo a Federação Internacional de Diabetes. No Brasil, foram 111 mil vítimas — o equivalente a 304 óbitos por dia.

*A jornalista viajou a convite da Novo Nordisk

Proteção via canetinhas

Estudos clínicos têm mostrado que as famosas canetas emagrecedoras têm potencial para entrar na lista protetiva. Em testes, a CagriSema, desenvolvida pela Novo Nordisk, mostrou-se bastante eficaz para curar o pré-diabetes. A abordagem combina a semaglutida (presente no Ozempic, da farmacêutica dinamarquesa) com a cagrilintida, uma molécula análoga a um hormônio produzido pelo pâncreas.

Voluntários com sobrepeso ou obesos receberam semanalmente uma dose injetável da combinação. Após 68 semanas, a perda de peso média foi de 22,7% e 93% dos que tinham pré-diabetes foram curados. A pesquisa foi apresentada no ADA e publicada, no mesmo dia, no The New England Journal of Medicine.

Remissão pode virar armadilha

A gente pegou o conceito de remissão emprestado da oncologia. Se a pessoa terminou o tratamento com câncer, a doença ficou quieta, mas pode voltar. Então, precisa ficar monitorando. No caso do diabetes, as métricas mais usadas são estar com hemoglobina glicada abaixo de 6,5% e sem necessidade de tratamento farmacológico por pelo menos três meses. Eu diria que estar em remissão é algo muito bom, pois você diminui muito o risco das complicações do diabetes. Mas é algo que esconde algumas armadilhas também, porque a pessoa continua tendo diabetes. Então, ela precisa continuar fazendo visitas regulares ao médico, a triagem das complicações associadas, como a pressão alta e o colesterol, avaliar  o fundo de olho e o funcionamento dos rins. É importante dizer que os pacientes podem voltar às taxas normais, mas eles continuarão tendo diabetes e todos esses riscos associados à doença.

Fernando Valente, diretor da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) 

Má alimentação antecipa condição de risco

Chicago (EUA) — Um dos tradicionais fatores de risco para o surgimento do pré-diabetes é o envelhecimento — que leva a uma perda da capacidade de secreção da insulina —, mas médicos têm observado maior incidência do problema em pacientes mais jovens e atribuem a precocidade dos diagnósticos aos hábitos de vida insalubres, incluindo as dietas.

Estudo apresentado no congresso científico da Associação Americana de Diabetes (ADA, sigla em inglês) deste ano analisou as tendências de mortalidade por diabetes e doença renal crônica (DRC) atribuída ao consumo de bebidas açucaradas entre jovens adultos, com 25 a 29 anos. Os óbitos globais associados à ingestão de produtos como refrigerantes, sucos de frutas industrializados e bebidas energéticas subiram de 27.286 em 1990 para 74.657 em 2021, sendo que as duas enfermidades estão entre as principais causas da mortalidade. 

As projeções feitas pelos pesquisadores do Hospital Tongren de Pequim,  afiliado à Universidade Médica da Capital, na China, indicam aumentos substanciais na mortalidade por DRC (165%) e diabetes (73%) entre adultos jovens até 2051. A equipe sugere a adoção “urgente de intervenções direcionadas”.

A endocrinologista Michele Borba lembra que a obesidade cresce rapidamente entre crianças e adolescentes brasileiros, já atingindo mais de 10% dessa população. “E a questão não é só estética: ela aumenta muito o risco de doenças como diabetes tipo 2, pressão alta, gordura no fígado e problemas nas articulações”, lista. “Por isso perder peso de forma saudável, e manter essa perda, é um desafio importante para muitas pessoas.”

Bruno Geloneze, pesquisador da Unicamp, argumenta que, ao mesmo tempo em que há uma juventude cada vez mais fitness, mais preocupada com a saúde, há a que se entrega aos exageros, bebendo e comendo à vontade. Alguns desses jovens desenvolvem obesidade, têm um genética de propensão ao diabetes e vão ter o pré-diabetes precocemente. “Quanto mais cedo aparece, mais cedo a chance de desenvolver as suas consequências, que são o diabetes em si e doenças cardiovasculares, em específico a arterosclerose. Portanto, a juventude tem que achar uma solução aí para esse embates, apesar de não ser fácil”.

Interferência climática

Os efeitos da crise climática sobre o controle do diabetes também têm sido observados por pesquisadores. Estudo divulgado, no último dia 8, pela Sociedade de Biologia Experimental, alerta que a combinação de altos níveis de CO2 atmosférico e temperaturas mais altas contribui para a redução da qualidade nutricional de vegetais folhosos populares, como couve, rúcula e espinafre, aumentando, por exemplo, a concentração de açúcares. “Isso pode levar a maiores riscos de obesidade e diabetes tipo 2 — particularmente em populações que já lutam contra doenças crônicas não transmissíveis”, ressaltou, em nota, Jiata Ugwah Ekele, da Universidade John Moores de Liverpool, no Reino Unido, e uma das autoras do estudo.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense      

Foto:  Ed Alves/CB/DA.Press

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