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Rubens Barbosa, embaixador aposentado: “Assunto é técnico; politizar é um erro”

O embaixador aposentado Rubens Barbosa, de 87 anos, atual presidente do Instituto de...

O embaixador aposentado Rubens Barbosa, de 87 anos, atual presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, defende o caminho do diálogo e da negociação, bem distante da retaliação e da ameaça da reciprocidade anunciadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Considerado um dos diplomatas brasileiros mais hábeis, foi sub-secretário de Economia, Integração e Comércio Exterior do Ministério das Relações Exteriores; secretário de Relações Internacionais do Ministério da Fazenda; representante do Brasil em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004); e escreveu o livro Relações Brasil–Estados Unidos: Assimetrias e Convergências. Para Barbosa, é preciso buscar uma alternativa negociada à decisão do presidente Donald Trump de aplicar tarifas de importação de 50% sobre os produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto, e atrelando a sanção ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. Segundo o diplomata, é preciso baixar o tom e pensar pragmaticamente, pois há US$ 90 bilhões de comércio bilateral envolvidos. Conforme observa, manter a temperatura alta da crise apenas traz prejuízos. A seguir, a entrevista concedida ao Correio. 

Na sua avaliação, o que está acontecendo?

Quando o presidente é muito importante, o pessoal ouve lá fora, e aí isso é parte do problema. Agora, é claro que houve uma politização por parte da oposição, que, aqui no Brasil, é igual ao Bolsonaro — mas tem uma oposição que não é só o Bolsonaro. O Eduardo Bolsonaro, o filho que está lá nos Estados Unidos, atuou — e tenho falado isso — e o governo brasileiro há meses assiste a essa ação lá. Em Washington, o governo brasileiro não estabeleceu nenhum canal de comunicação para contraditar essa posição. Por isso é que digo que não me surpreendeu, porque achava que vinha mesmo uma coisa dessas — estava na cara que vinha uma coisa dessas. Agora, eu imaginava que não 50%. Acho que a oposição envenenou a relação com o Trump e o resultado foi essa tarifa. E acho que a oposição vai atuar junto ao Trump para reduzir essa tarifa. É uma especulação minha, não tem evidência nenhuma disso, mas, pelo que está pintando aí, essa tarifa de 50% é uma coisa política. E como foi politicamente colocada, vai ser politicamente retirada. 

Qual é o caminho diante desse impasse?

Acho que o governo brasileiro, em vez de ficar estimulando ideologicamente a confrontação, tem que partir para negociação. Não tem alternativa. Tem que conversar, abrir canais de comunicação para conversar. Todos os países estão fazendo isso. A China está fazendo, o Vietnã está fazendo, e não são exatamente capitalistas nem conservadores. O México fez para o Japão, e eu não estou nem citando o México e o Canadá, porque são países vizinhos, são membros do NAFTA e tal, coisa excepcional. Mas se eles também negociaram… Você viu o negócio do Canadá? O Canadá colocou uma taxa lá, o Trump falou: ‘Eu vou botar 100% de tarifa’. O primeiro-ministro do Canadá [Mark Carney] recuou imediatamente. Não adianta você tratar com o Trump, que é um cara imprevisível, um cara que usa força e tal, querendo retaliar. 

Retaliar, então, é um caminho perigoso?

O presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) falou que vai retaliar. Quer dizer: a lei de retaliação não prevê só a retaliação de tarifa, prevê outras medidas. Se o Brasil retaliar em tarifa, você pode estar certa de que vai passar de 50% para 100%. Pode estar certa. Acho que eles não vão fazer isso. O (Geraldo) Alckmin (vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio e Indústria) não vai aceitar uma retaliação na base das tarifas. Eles vão ter que fazer uma proposta de redução de tarifa de produtos americanos exportados para o Brasil, eliminação de restrições não tarifárias para outros produtos que têm tarifa baixa, mas tem muita restrição para importação. Então, vão ter que negociar. 

A coordenação dessas articulações parece ser tripartite: Casa Civil, Ministério da Indústria e Comércio e Itamaraty. Assim funciona melhor?

Isso não pode ser coordenado pela Casa Civil. Tem que ser coordenado pelo Ministério do Comércio e pelo Itamaraty. Eu vi que a Casa Civil convocou uma reunião lá. Quer dizer: está errada, porque dá o sinal de politização, quando você tem que ter uma negociação técnica. A politização da carta (do Trump) foi respondida ontem, com a convocação do encarregado de negócios dos Estados Unidos (Gabriel Escobar) no Brasil. 

O governo brasileiro devolveu a carta do Trump em um tom bem duro. Na negociação diplomática, isso é um complicador?

Acho um erro terem devolvido a carta também. Mas já foi respondido, não tem que insistir mais nisso, tem que acabar com isso, já foi respondido. O governo brasileiro tem de dizer para vocês (jornalistas): ‘Não vamos tocar mais nisso porque já foi respondido, vamos estar focados na questão comercial’. Isso é o que tinha que ser. 

O senhor tem muito contato com empresários de vários setores. Como eles estão enxergando essa crise?

Estão muito preocupados, porque os afeta diretamente. Há o setor dos plásticos, de autopeças e da agricultura. Tem muita coisa em jogo aí. São US$ 40 bilhões em exportação. Não pode ideologizar, partidarizar essa disputa, dizer que é o PT contra o Trump. Eles vão fazer isso para capitalizar internamente, mas não pode ser PT contra o Trump. Tem que ser negociação comercial dos empresários, do governo, com o Departamento de Comércio, com o West York americano. Tem que ser uma negociação técnica, não política.

Ainda tem espaço para esse diálogo?

Claro, teve para todos os países, por que não tem com o Brasil? Claro que tem. Essa carta é política, já falei isso. A parte técnica tem que negociar até 1º de agosto — está lá na carta (do Trump). Acho que o governo do Brasil, que é o maior país aqui da América do Sul, tem US$ 90 bilhões de comércio com os Estados Unidos, é o segundo parceiro brasileiro. Não podemos abrir uma crise de grandes dimensões por causa dessa decisão política do governo americano. 

O senhor repete que a alternativa única é a da negociação…

Temos que estabelecer canais de comunicação que não existem desde que o Trump assumiu. Não é possível o presidente brasileiro não falar com o presidente americano. Não é possível o ministro do exterior do Brasil não falar com o ministro do exterior dos Estados Unidos. Há oito meses que não há canais de comunicação. Não estou falando disso de agora. Estou falando disso desde a eleição, quando começou essa campanha da oposição lá em Miami, lá no Congresso, lá na Casa Branca. Só não viu quem não quis. Estou falando, já escrevi e tudo, chamando a atenção para isso. Só não viu quem não quis.

Por Revista Plano B

Fonte Correio Braziliense       

Foto: Arquivo pessoal

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