Em uma sala, uma equipe de cinco a seis policiais penais se posiciona diante de telões no Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico (Cime) e, atenta, rastreia cada passo dos 1.482 presidiários monitorados pela Justiça com tornozeleira eletrônica. O equipamento é imposto por decisão judicial em situações como progressão de regime ou em casos de violência doméstica. Tudo parece sob controle. Até que, de repente, um ponto no mapa some, sem aviso ou alarde. É assim que começa uma fuga invisível viabilizada por dispositivos de alta tecnologia vendidos por menos de R$ 100.
A artimanha dos detentos para bloquear o sinal da tornozeleira desafia as forças de segurança e coloca em risco até mesmo a população. Dados da Secretaria de Administração Penitenciária (Seape-DF) obtidos pelo Correio e pela TV Brasília revelam que, de 2022 a 11 de junho deste ano, 543 custodiados foram detidos por burlarem as regras do monitoramento. Desses, 70 foram recapturados por bloquear o sinal de GPS intencionalmente — 15 só no primeiro semestre de 2025.
O trabalho contínuo dos policiais penais na identificação de qualquer movimentação suspeita por parte dos detentos é capaz, por vezes, de impedir que um crime seja cometido. Em novembro de 2023, Daniel Malaquias, 40 anos, apontado como um dos líderes de uma organização criminosa especializada no tráfico de lança-perfume que vinha da Argentina para o Distrito Federal, foi preso por obstrução de monitoramento eletrônico, em São Sebastião. O criminoso de alta periculosidade usava o equipamento desde junho daquele ano e arrumou um meio para cortar o sinal: papel alumínio.
O método caseiro não é novidade. O alumínio atua como uma barreira física para as ondas de rádio e sinais de GPS. No caso da tornozeleira, que funciona usando o sinal de GPS para rastrear a localização, o truque aparenta ter eficácia. “O sinal do satélite é eletromagnético, e o papel alumínio é um bom condutor de eletricidade”, explicou uma fonte policial ao Correio.
Dispositivo barato
Disponíveis para compra em qualquer site de vendas, os bloqueadores de sinal são comercializados em diversos modelos e vendidos quase a preço de banana. Em uma loja nacional on-line, tem até promoção de duas capas bloqueadoras por R$ 96. O policial explicou que equipamentos desse tipo criam um raio de interferência de cinco a 10 metros ao redor do usuário.
Outro dispositivo adotado pelos presos se chama “capetinha”, uma espécie semelhante a um pen drive. O equipamento é conectado a uma fonte de energia, como um carregador externo. “Geralmente, eles usam o carregador portátil Power Bank e colocam dentro de uma bolsa à parte. Além da bolsa, passam fita durex.”
É comum que os policiais se deparem, frequentemente, com a ausência de sinal do monitoramento do preso, isso porque a própria tornozeleira está sujeita à intercorrências, tais como clima ou ambiente, que podem influenciar na instabilidade do sinal. “Não é possível afirmar de imediato que ele está violando a tornozeleira. É preciso uma análise mais profunda. O que analisamos é a periodicidade que esse sinal vem caindo”, afirma o agente.
Ao detectar a violação, o apenado deveria ser advertido e, em tese, regredir de regime. Contudo, a realidade é outra. Segundo o agente, há casos de monitorados com 15, 50 e até 200 violações registradas que seguem em liberdade. O motivo para as artimanhas de bloqueio ao equipamento variam: vão desde a vontade do preso em cometer crimes até conseguir “passe livre” para sair, ir a eventos, festas ou bares.
Ivani Matos Sobrinho, diretora do Cime, explica que o trabalho feito pelas equipes é rigoroso. “Quando há violação de zona de exclusão ou de medida protetiva, a PM é acionada imediatamente. O trabalho da Polícia Penal tem se destacado com a integração com outras forças de segurança, o que é essencial na prevenção. Estamos atentos e vigilantes e o objetivo é cumprir as decisões judiciais e assegurar uma resposta rápida em qualquer tentativa de violação”, finalizou.
Numeralha
2022 a 11 de junho deste ano: 543 custodiados detidos por burlarem as regras do monitoramento
70 foram recapturados por bloquear o sinal de GPS intencionalmente
15 só no primeiro semestre de 2025
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Seape/Divulgação