O julgamento da regulamentação das redes sociais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) provocou um debate sobre a quem cabe o trabalho de definir a responsabilidade das big techs no país. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a falta de atuação do Congresso sobre o tema abriu espaço para o Judiciário agir de maneira decisiva. No entanto, para os congressistas de oposição, a Corte invade a competência exclusiva de outro poder ao deliberar o caso.
Na semana passada, o STF formou maioria para responsabilizar as plataformas por conteúdos publicados por seus usuários e ampliar as obrigações das big techs a respeito da moderação de posts considerados ofensivos, mesmo na ausência de ordem judicial prévia. O julgamento gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, que exige uma determinação da Justiça para excluir conteúdo e responsabilizar provedores de internet, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.
Segundo o advogado e analista político Melillo Dinis, o debate cabe ao Legislativo. No entanto, para ele, há uma omissão histórica do Congresso sobre as redes sociais e, por isso, foi necessária a discussão no Supremo. “A demora em regulamentar o tema acabou abrindo espaço para o STF atuar de maneira decisiva nesse debate tão importante para a sociedade. Por outro lado, esse papel proativo pode ser considerado uma ocupação de espaço, ante ao vácuo regulatório, buscando proteger direitos fundamentais ameaçados pela disseminação de conteúdos ilícitos nas redes sociais”, diz.
O advogado constitucionalista Nauê Bernardo de Azevedo partilha do mesmo entendimento. “O debate efetivamente cabe ao Congresso, em seu papel ordinário e típico de legislador. No entanto, a ausência de deliberação está gerando um vácuo regulatório que vem provocando distorções no tratamento dos problemas gerados. Isso acaba atraindo a competência do STF para julgar o tema a partir do caso que lá chegue, sem prejuízo de que o Congresso Nacional legisle sobre a questão posteriormente”, ressalta.
A análise do tribunal será retomada em 25 de junho. Faltam votar os ministros Edson Fachin e Nunes Marques e a ministra Cármen Lúcia. Ainda devem ser definidas, nas próximas sessões, as condições em que as plataformas devem responder judicialmente. Para o cientista político Elias Tavares, há temas sensíveis nas redes sociais que merecem, sim, a atenção tanto do Judiciário quanto do Legislativo.
“A internet não pode ser uma terra sem lei, mas também não pode ser controlada por decisões isoladas. É o equilíbrio entre responsabilizar o que é claramente criminoso — e isso já temos ferramentas legais — e garantir que a liberdade de expressão não seja sufocada por interpretações subjetivas. E esse equilíbrio só se alcança por meio do debate democrático no parlamento”, aponta.
Legislativo
O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP) lamenta que o Congresso não tenha conseguido reunir os interesses dos deputados e senadores para legislar sobre a matéria. O parlamentar reconhece a competência do Legislativo para definir a responsabilidade das big techs, mas aponta a atuação do Supremo como necessária diante da situação.
“O que não pode continuar são pessoas inescrupulosas e criminosos utilizando a internet (com certa complacência dos provedores) para cometer crimes, notadamente: calúnia, difamação, injúria, racismo e estelionato, por meio das redes sociais. A vítima notifica o provedor, e eles simplesmente não retiram o vídeo, a mensagem ou o anúncio das redes sociais, fazendo com que o cidadão de bem arque com todo o ônus moral e financeiro”, ressalta.
Para o deputado federal Guilherme Boulos (PSol-SP), a mudança definida é positiva. “O entendimento do STF é uma vitória da sociedade brasileira. Mostra que as big techs estrangeiras não podem ficar acima da lei para faturar bilhões com mentiras e fake news. Mais do que isso, a regulamentação é essencial para que a busca das plataformas pelo lucro a qualquer custo não imploda a democracia brasileira”, diz ao Correio.
Segundo o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ), deve haver uma questão de “bom senso” — e que não deve depender de uma decisão judicial. “Todo veículo de comunicação tem responsabilidade pelo que publica, pelo que reporta e pelo que veicula. Desresponsabilizar totalmente as plataformas é inaceitável. Vira liberdade de calúnia, de ofensa, de opressão e não de expressão. Não precisa ter uma notificação judicial. Há um critério de bom senso mínimo que permite a autorregulação, que não tem nada a ver com censura”, defende.
Os deputados de oposição ao governo argumentam que, além de uma suposta interferência do STF na atuação do Congresso, qualquer debate sobre a regulação das redes é prematuro e carece de informações e novas pesquisas. “Cabe ao Legislativo e nós já fizemos esse debate nos últimos anos. A decisão do parlamento foi de que não está na hora de legislar sobre isso. Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal mostra, mais uma vez, a sanha de usurpação de competência que anda praticando na última década no Brasil”, diz o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ).
O líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), classifica o julgamento do STF como cerceamento à liberdade de expressão. “O mais revoltante é que o Supremo Tribunal Federal acaba de formar maioria para responsabilizar as plataformas pelas postagens dos usuários, criando uma verdadeira bomba de censura preventiva. Isso coloca o Brasil fora das democracias ocidentais e mais próximo de regimes autoritários”, comenta.
Por Revista Plano B
Fonte Correio Braziliense
Foto: Maurenilson Freire