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Falta de autorização familiar dificulta doação de órgãos no DF

No Distrito Federal, 955 pessoas aguardam na fila por um transplante de órgão....

No Distrito Federal, 955 pessoas aguardam na fila por um transplante de órgão. A espera, muitas vezes angustiante, se torna ainda mais difícil diante de um obstáculo frequente: a negativa familiar. Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) mostram que, em 2024, 61% das famílias abordadas na capital do país se recusaram a autorizar a doação de órgãos de entes falecidos. O índice é superior à média nacional de recusas, que é de 46%, e também supera o percentual registrado em 2023 no DF, quando a taxa de negativas foi de 49%.

Ao todo, foram realizadas 168 entrevistas com parentes de possíveis doadores no ano passado. O número elevado de recusas dificulta o trabalho das equipes de captação e prolonga a espera dos pacientes por um novo órgão.

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A Secretaria de Saúde do DF explicou como funciona o processo de captação e transplante. Tudo começa com a constatação da morte encefálica do paciente, seguida pela comunicação oficial à família. Se houver autorização, a Central Estadual de Transplantes (CET) realiza a coleta de exames de sangue, enviados ao Hemocentro para análise de compatibilidade.

Com os resultados em mãos, o Núcleo de Organização de Procura de Órgãos (NOPO) dá sequência ao processo, encaminhando os dados ao Núcleo de Distribuição de Órgãos e Tecidos (NDOT), que confere as informações e seleciona os receptores em potencial. Caso não haja compatibilidade local, os órgãos são direcionados à Central Nacional de Transplantes, que redistribui para outros estados.

As cirurgias de captação são agendadas após o aceite das equipes médicas. O procedimento de implante nos receptores ocorre logo na sequência. Todas as unidades hospitalares do DF têm a obrigação de notificar casos de morte encefálica à Central Estadual. Já os hospitais interessados em realizar transplantes devem ser credenciados pela Secretaria de Saúde.

Atualmente, não há campanhas em curso para incentivo à doação, mas a Secretaria afirma que ações estão em fase de planejamento. Enquanto isso, as Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTTs), presentes em todos os hospitais, desenvolvem atividades contínuas de conscientização.

A alocação dos órgãos segue critérios técnicos e éticos, considerando fatores como gravidade do quadro clínico, tempo de espera, compatibilidade e urgência. No DF, 905 pessoas aguardam por um rim, 764 por córneas, 34 por coração e 18 por fígado.

Um recomeço possível

A servidora pública Márcia Correa, 61 anos, sabe o que é enfrentar anos de incerteza à espera de um transplante. Diagnosticada com doença renal crônica, ela passou quase cinco anos conectada a uma máquina de hemodiálise peritoneal todas as noites. A ligação que transformaria sua vida veio de madrugada, por volta das 3h30 de um sábado. “Achei que fosse trote. Só acreditei quando ouvi a voz da médica que me acompanhava há anos”, lembra.

Com o apoio do marido, arrumou os pertences às pressas e seguiu para o Instituto Central do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Após exames de triagem e preparo pré-operatório, foi levada ao centro cirúrgico. A cirurgia durou cerca de quatro horas e o novo rim passou a funcionar imediatamente, um indicativo de compatibilidade e resposta positiva do organismo.

Após dez dias de internação, retornou a Brasília, onde iniciou uma nova rotina de cuidados. O uso contínuo de imunossupressores e o acompanhamento médico são indispensáveis. “É outra vida. Dormir sem a máquina, acordar disposta, poder fazer planos novamente… É algo que parecia impossível”, diz.

Márcia destaca a importância da doação. “A pessoa que me doou esse rim salvou minha vida. E a família, em meio à dor, teve um gesto de generosidade imensurável. A elas, minha eterna gratidão.”

Decisão familiar é decisiva

Apesar de campanhas de conscientização recomendarem que as pessoas manifestem em vida o desejo de serem doadoras, no Brasil a decisão final cabe à família. A legislação exige consentimento dos parentes, mesmo que o falecido tenha expressado a vontade de doar. Por isso, especialistas reforçam a importância do diálogo.

“O ideal é que a família saiba qual era o desejo da pessoa. Isso facilita a decisão num momento de dor”, afirma o cardiologista e intensivista Vitor Salvatore Barzilai, 44 anos. Segundo ele, o acolhimento e a empatia são essenciais para que o processo ocorra de forma ética e respeitosa.

Entretanto, nem sempre a autorização se concretiza. Um dos principais entraves, segundo Barzilai, é o atraso na liberação do corpo após a retirada dos órgãos. “Há casos em que a família autoriza, mas depois desiste por causa da demora”, relata.

Entre os transplantes mais complexos está o de coração, indicado para pacientes com insuficiência cardíaca grave — condição crônica e progressiva que reduz a capacidade do coração de bombear sangue de forma eficaz. “As causas são diversas: genéticas, infartos prévios, doenças específicas que afetam o músculo cardíaco”, explica Barzilai.

Com vasta experiência em terapia intensiva, o médico afirma que, em muitos casos, o transplante é a única saída. “É uma corrida contra o tempo e contra a dor. Mas é também um ato de solidariedade que transforma perdas em recomeços”, conclui.

Por Camila Coimbra do Jornal de Brasília

Foto: Divulgação Ministério da Saúde / Reprodução Jornal de Brasília

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